Quando falamos sobre acessibilidade, muitas vezes nossa atenção é direcionada principalmente para a forma como os formulários são projetados e apresentados, cuidados com como apresentamos algo são encontrados em diversos tutoriais na internet, mas pouco se fala sobre como também o conteúdo de um formulário pode tornar ele inacessível e gerar um enviesamento dos dados.
Como consultor de pesquisa para novos clientes, muitas vezes me deparo com questionários que deixam muito a desejar. E, frequentemente, a decepção se deve a problemas de construção e falta de acessibilidade nos formulários. É fácil focar na estética, mas não podemos esquecer que o conteúdo é tão crucial quanto a forma.
Lembro-me de aprender sobre as facilidades que os formulários fechados oferecem: economia de recursos, tempo e um alcance maior. Parece perfeito, certo? Infelizmente, não é bem assim. Quando criamos um questionário, temos controle total, mas também a responsabilidade de não excluir ninguém. Um questionário mal elaborado é como uma casa bonita de madeira, infestada de cupins e com uma estrutura comprometida.
Toda empresa busca medir informações e a internet nos oferece os questionários online. Todos já preenchemos um formulário na web, seja para um emprego, para obter um “ebook exclusivo” ou para contribuir para uma causa. É um ato de dar e receber: você fornece dados e recebe algo em troca. No entanto, é fundamental lembrar que preencher um formulário online exige tempo e esforço. Portanto, ao criar formulários, é essencial recompensar os respondentes de maneira que o tempo investido valha a pena. Quanto mais complexo o questionário, maior deve ser a recompensa.
Lembro-me de uma experiência frustrante ao preencher um formulário de uma grande empresa de cosméticos em troca de um kit de produtos para cabelos cacheados. O questionário era repleto de linguagem complexa, perguntas ambíguas e confusas, levando cerca de 10 minutos para ser concluído – uma eternidade na era da internet. Quando finalmente cheguei à parte em que deveria fornecer meu CEP, o formulário não reconheceu minha cidade, tornando impossível continuar. Desesperado, para não perder as informações já preenchidas, acabei fornecendo o CEP de outra cidade que eu pretendia visitar. O que o formulário ganhou em complexidade, perdeu em acessibilidade.
Essa experiência não compensou o kit que recebi e deixou uma impressão negativa da marca. Pior ainda, uma cidade com quase 360 mil habitantes foi excluída devido a um erro no formulário. Aí começam os questionamentos, será que um formulário mal-executado vale a pena a energia, esforço e tempo designados nessa atividade?
Outro exemplo que ilustra a importância da diversidade e inclusão foi uma pesquisa de uma instituição universitária sobre acessibilidade e pessoas com deficiência psicossocial. Sendo autista, estava disposto a apoiar a iniciativa, mas uma pergunta no perfil socioeconômico me impediu de continuar. A pergunta era simples: “Gênero”, com as opções “Masculino” e “Feminino”. Isso me fez sentir que aquela instituição não era um lugar para mim, já que não me identifico com nenhum desses gêneros. Além disso, como eu poderia continuar o questionário se não me encaixava nas opções fornecidas? Esse questionário perdeu meu potencial envolvimento, assim como o de muitos outros.
Mesmo que você possa pensar que a diversidade de gênero é irrelevante, saiba que o cliente que não respondeu e desenvolveu uma aversão à sua empresa, bem como amigos e familiares da pessoa que teve uma experiência ruim, discordam disso.
Por isso recriei algumas situações em que passei de formulários não inclusive, lembrando que para evitar expor as empresas que entrei em contato apontando os erros, eu recriei em um layout neutro, apenas para fins educativos.
A pergunta que impede pessoas de outro gênero a continuar no questionário ou falseia o resultado
Pergunta que incluí outros gêneros, tem uma comunicação não violenta a pessoas diversas.
Quando estruturamos perguntas sobre gênero de forma inclusiva, demonstramos preocupação com todas as identidades de gênero. Esse cuidado não apenas evita que as pessoas se sintam excluídas, mas também gera dados mais precisos. Pessoas forçadas a escolher um gênero que não reflete sua identidade prejudicam a capacidade de entender comportamentos e traçar estratégias eficazes. Pior ainda, você nunca saberá que esse erro ocorreu, tornando-o invisível.
Ninguém está imune a erros, especialmente quando se trata de acessibilidade. Ao trabalhar com questões relacionadas à acessibilidade e pessoas com deficiência, é fundamental evitar erros que possam afastar potenciais respondentes.
Considere um evento focado na empregabilidade de pessoas com deficiência. Você esperaria que fosse um ambiente inclusivo, mas muitas vezes, não é devido à falta de atenção aos detalhes. Em um exemplo ruim, o formulário não considera diferentes tipos de deficiência, o que cria uma barreira para as pessoas com deficiência de aprendizado ou múltiplas deficiências. É importante abordar essas questões desde o início, a fim de evitar respostas equivocadas ou desistências.
A pergunta não é acessível por si só a leitores de tela, além de na resposta não considerar pessoas, deficiências múltiplas ou pessoas com deficiência psicossocial, ou quando o respondente não tem certeza da sua categoria, apenas o nome do seu transtorno/doença, ou situação que inclui ela legalmente como pessoa com deficiência. A própria interação mediante dropdown também nesse caso é pouco acessível.
A utilização do checklist permite que responder múltiplas deficiências, além de facilitar quando for analisar os dados dos cadastrados, ele facilita a resposta do respondente. O campo outra é essencial para casos onde a pessoa não se sinta enquadrada.
Solução alternativa de pergunta com menos alternativas, porém perceba que incluí diversas categorias não exibidas no exemplo com erro e também incluí a possibilidade de inserir outra opção, para caso o usuário não incluí.
Embora os formulários fechados proporcionem maior controle e análise mais precisa, é essencial começar com uma base sólida e considerar as possíveis dificuldades. Testar, revisar e obter feedback de uma equipe diversa ajuda a evitar erros e aprimorar a sensibilidade em relação a essas questões. Isso resulta em dados melhores e resultados fidedignos e significativos.
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Pesquisador, UX Designer e Acompanhante Terapêutico TEA
Sou Bacharel em Ciências Sociais (UFPR), estou cursando um MBA em Gestão Estratégica em UX Design (UNINTER) e também sou pós-graduando em Transtorno do Espectro Autista: Inclusão Escolar e Social (UNINTER).
Tenho mais de 7 anos de experiência como Pesquisador, ganhando diversos prêmios de pesquisa e publicando trabalhos tanto em âmbito nacional quanto internacional. Além disso, ministrei cursos, seminários e simpósios no campo da comunicação e pesquisa. Em 2019, redirecionei minha carreira para me tornar um UX Designer, trazendo toda a minha bagagem de pesquisa e comunicação para o desenvolvimento de interfaces em mais de 20 projetos, atuando tanto de forma independente quanto em equipes.
Aprofundando meus estudos na área da acessibilidade e inclusão, percebi que apresentava diversos sintomas do Transtorno do Espectro Autista (TEA). Após uma longa jornada, obtive a confirmação do TEA por meio de um laudo emitido por uma equipe multidisciplinar. Decidi então redirecionar minha carreira como pesquisador para me dedicar ao estudo desse tema. Com meu vasto conhecimento na área, também comecei a auxiliar pessoas autistas e seus familiares em suas dificuldades, tornando-me um Acompanhante Terapêutico para adultos e adolescentes com características autísticas.
Realizando acompanhamento individual e também ministro mentorias, cursos e palestras para pessoas, grupos e empresas.
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